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A LITERATURA E O ATO DE ESCULPIR UM CAVALO
Resenha feita pelo Literatura Br do livro "Como se fizesse um cavalo", de Marina Colasanti

Publicado em: Literatura Br - Agosto/ 2014

Como se fizesse um cavalo é o título de uma das obras de Marina Colasanti. Um título excepcional, diga-se de passagem. O nome escolhido pela autora caiu muito bem com o primeiro texto do livro. Partindo de uma resposta de Michelangelo, quando lhe perguntaram como esculpir um cavalo, ela traça um paralelo para discernir sobre o que seria sua vida sem a literatura, ou melhor, sem a leitura.
 
Conta-nos que sempre que conversa com algum amigo e pergunta de que maneira ele havia começado a se interessar pela leitura, ela descobre que há sempre um primeiro livro, como se fosse um marco, que estabelece o antes e o depois da vida de uma pessoa a partir de uma determinada obra. Na de Marina isso não existiu, sua mãe sempre esteve presente, desde a infância, a demarcar o território da literatura em sua casa. Ela não lembra do primeiro livro que leu, pois ela adentrou o mundo da literatura muito cedo, e ainda nem sabia como esculpir coisa alguma.
 
Assim, Colasanti vai destrinchando suas leituras e se desfazendo delas para que, ao final, possamos saber o que sobraria de si, o que poderia sobrar de qualquer leitor ao se desfazer dos autores que amam. O que seria de cada indivíduo fascinado pela literatura sem as histórias de seus escritores preferidos? Mudaria alguma coisa? Será que é realmente importante a arte na vida das pessoas?
 
Despedindo-se de Peter Pan, de Monte Cristo, Os três mosqueteiros e muitos outros personagens, Marina desvenda o abismo da alma que podemos possuir sem a leitura fantasiosa a qual nos proporciona entender muito do nosso convívio social. Sai das fantasias de criança até as leituras homéricas, mostrando que não deveria ser possível viver apenas de um gênero. É como nos avisasse que não podemos perder tempo dispendendo forças em apenas um tipo de história. Como se fosse nossa responsabilidade nos inquietar:
 
Estou tentando esculpir um cavalo, e para isso terei que me desfazer de outro. Empurro sobre suas rodas, para fora da minha infância, o Cavalo de Troia. Nunca mais cavalos serão tão importantes por dentro quanto por fora. Terei que aprender em outra parte o poder da astúcia, e o custo da boa fé.
 
E quanto ao que aprendeu nos livros que criavam mundos ou que transmitiam o que acontecia na realidade, Marina expõe a fragilidade do homem frente ao mundo que nos rodeia. Pelo que observei, nas entrelinhas lê-se que quanto mais rápido começamos a ler, principalmente literatura, fica mais fácil escolher as veredas neste mundo tantas vezes insensíveis.
Ela não quer que esperemos o momento certo para ler, assim como os seus namoradinhos que esperaram e acabaram ficando de lado, não seria prudente afastar as crianças, os jovens da literatura, é necessário que leiamos. E, talvez, do jeito que vamos isso seja cada vez mais urgente:
 
Depois do primeiro namoradinho, houve um segundo. E lemos juntos. E um terceiro, que já não era apenas namoradinho. E lemos juntos. Houve um no meio, e não lemos juntos porque ele não gostava de ler; dizia que o faria mais tarde, quando fosse velho e tivesse tempo sobrando, e eu achei mais prudente não esperar para verificar.
 
Ao final do primeiro texto, Marina confessa não poder continuar na empreitada. A dificuldade de esculpir um cavalo a partir de um bloco de mármore para um iniciante é a mesma que ela sente, após anos de leituras, ao querer se desfazer de tudo que apreendeu e tem consigo. Suas leituras não podem ser abandonadas, já fazem parte de si, seu corpo já não é possuidor apenas de carne e ossos, está inserida na memória. As ideias estão presentes por causa da Literatura:
 
Eu poderia tirar todo o mármore, toda palavra escrita, e ainda assim não chegaria ao que a leitura fez por mim, porque aquilo que eu poderia ter sido sem a leitura nunca existiu. Chegaria, porém, àquilo que já sei: que a leitura me fez assim como sou. Interagindo com meu DNA, com as circunstâncias da vida, com os encontros e os desencontros, mas sempre presente, ajudando-me a elaborar cada gesto, cada ato.
 
E é a partir de encontros e desencontros que começa a ajustar o pensamento em torno do livro. Que objeto é este que move capitais e que ao mesmo tempo nos fascina pelos seus conteúdos? Por quais razões somos tão estúpidos em deixar de lado livros de autoajuda, em que conseguem, mesmo sendo desprezados, ser tão certeiros como conselheiros de vidas alheias?
 
Ele nos fala de uma cultura que não respeita seus velhos, que não reconhece neles a sabedoria dada pela experiência, pois relaciona sua experiência a um mundo ultrapassado, que nada mais tem para ensinar. E que, não respeitando os velhos, ignora seus conselhos e perde, com isso, preciosos guias.
 
Será que perdemos os nossos guias e estamos dispostos a comprar sempre aqueles livros que são apenas de nosso gosto? Não estamos aptos, mesmo com tantas leituras, a respeitas os mais diversos gêneros e saber ‘ler’ neles seus pontos positivos?
 
São muitas as perguntas, realmente, e que ,lendo o segundo texto de Colasanti, O livro, entre Barbie e a longa noite, fui ficando satisfeito com as possíveis respostas, não que ela se importe em nos dar, e fascinado com a sua facilidade em destrinchar pensamentos. Ela, rapidamente, chega a um dos pontos mais fundamentais de todo o sistema literário e que eu, por ser editor, me senti mais à vontade, ou não. Ela afirma, como bem sabemos, que
 
Uma vez estabelecido que todos os livros são um fato cultural, não temos como escapar da segunda constatação: todos eles são mercadoria. Todos estão à venda, e uma vez à venda, englobam-se naquela entidade gigantesca e amedrontadora chamada mercado.
 
Daí, podemos voltar à questão do olhar enviesado para gêneros de fantasia ou de autoajuda que fazem tanto sucesso nas prateleiras das grandes livrarias. Pois é fato de que livro bom, parece, é aquele que vende bem, ficando às vistas dos possíveis leitores, senão, some, como bem pontua a autora.
 
E essa procura exacerbada das editoras, mas dos autores também, leva a uma competitividade desleal quanto ao restante das obras, que acabam ficando condenadas às sombras dos ‘grandes’ livros. Corrida essa mantida por dois pólos altamente divergentes: de um lado os grandes grupos comerciais, que acabam englobando inúmeras editoras, que um dia tiveram a sua vez, e do outro as editoras independentes, pequeninas, que correm contra a maré, sabendo que atrás de si há uma enorme catarata querendo levá-las para o fundo do rio.
 
Assim, fica claro que o sistema literário acaba sendo mantido não por editores de profissão, mais por administradores profissionais, que estão a frente desses grandes conglomerados editorias e que visam uma única coisa: lucro!
 
Fora isso, Marina aponta um dos grandes problemas atuais do sistema literário brasileiro atual, mas que talvez também se refira ao restante do mundo: a crise da crítica, da qual tanto fala o professor e crítico Alcir Pécora. Afirma ela que
 
A função da crítica é estabelecer padrões de qualidade necessários para fortalecer a opinião crítica do leitor e permitir-lhe escolher com acerto mesmo entre os muitos livros não resenhados. Na busca de excelência, o crítico se vê obrigado a trabalhar com um nível de exigência superior ao da média. As se trocarmos o crítico especializado pela democrática voz dos leitores, por aquela voz que tanto mais representativa será quanto mais se aproximar do gosto comum, que estabelecerá, e com que critérios, os padrões de qualidade?
 
A voz a qual se refere Colasanti é a dos blogueiros-críticos que começam a ter vez no cenário atual, mas que parecem ter esquecido de como fazer uma crítica alentada, uma vez que é ela que acabar por direcionar, muitas vezes, os possíveis leitores de uma obra, e “que diz ao livreiro que livros comprar ou mais fartamente exibir”.
 
E ainda há muito mais na obra de Marina. Fica evidente que ela está atenta a tudo que acontece, de uma ponta a outra, neste sistema, que é, em vários pontos, falho. A autora ainda tem muito a dizer e está preparada para nos fazer pensar sobre vários pontos que ficam, quase sempre, às escuras, para os novos críticos.
 
Pode parecer um pouco estúpido aos que não conseguem ver nada mais do que o real, mas ler é viver, é saber olhar atentamente para o que nos rodeia e para o que nos predispomos a fazer. Deste modo, a literatura não é apenas libertação, acaba sendo comércio também, porém é cultura e isto não pode ser comercializado da maneira que os grandes administradores desejam. É necessário que saibamos educar através da leitura as nossas crianças, que saibamos exigir obras dos mais variados gêneros e que elas tenham a possibilidade de coexistir em todos os espaços. E como se respondesse, também, à pergunta que fizeram a Michelangelo, Colasanti nos diz que “Há vários meios para isso”.
 
Por: Nathan Mattos


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